NESSA COIMBRA FRAGMENTADA 


Diz-se que a vida é uma passagem. Somos seres em permanente mutação, pautados por relações ora  estabelecidas, ora quebradas, resultado de eternas chegadas e partidas.  
Em Portugal, onde o trânsito decorre grandemente entre Porto e Lisboa, Coimbra encontra-se a meio  caminho, fácil e imediatamente imaginada como cidade de contacto transitório, superficial.  
Toda a moeda tem dois lados - o lado A e o lado B. Coimbra é-nos contada pelo primeiro, o lado nobre onde  o A é de academia, da alta, dos arcos. A explosão da vida universitária, do prestígio de ser doutor, das  serenatas à chuva no adro da Sé; uma vida que reflete o fulgor de um lume que depressa emerge e depressa  se extingue. Todavia, para quem vive profundamente, a entrada é feita pelo outro lado. Os pés pisam a  plataforma de coimbra-b, a estação de comboios que pulsa ao som da vívida campainha, a primeira face da  cidade que nos recebe e a última a despedir-se de nós. Daí até ao centro vão viagens múltiplas pelo B de  baixa, cujo bilhete se circunscreve a quem é despertada a curiosidade e a ousadia de se abrir à  imprevisibilidade das ruelas ziguezagueantes a meia luz.  
Apercebemo-nos então que nos é vendida apenas uma fração de Coimbra. Coimbra fragmentada. A euforia  contagiante dos desfiles académicos e da imponente Universidade é coisa lapidada que serve bem aos  livros e às letras. Fantasias dos cartões-postais que registam a visita fugaz do turista. Não é mentira, mas  faltam capítulos nesta narrativa.  

Alguém, que todos conhecemos, uma vez disse “a cidade está deserta e alguém escreveu o nosso nome em  toda a parte”. Esta é a melhor manifestação da melancolia, na qual Coimbra materializa a vida passada.  Nesse banco onde me sentei enquanto rias à janela ousando saltar ao telhado, atrás do qual a fenda no  estuque persiste em forma de trovão. Naquela casa onde jurei que o papel de parede era o mais bonito que  já vi, o rasgão aumenta timidamente e ninguém o repara. O graffiti ao subir da rua incentiva-nos à mesma  revolta. A calçada para quem desce continua escorregadia, melhor agarrar os amigos, ao atravessar. Hoje sei:  quer se esteja à distância ou próximo, comprovamos que o tempo passou apenas por nós. E o prazer da  descoberta é um impulso viciante, para dele depressa restar a sensação agridoce da perda. Está tudo como  dantes, mas as pessoas foram-se. A leviandade da cidade é maior do que todos nós e a fugacidade dói.  Ficamos assim, entre o enamoramento frágil e a dureza triste da realidade. Se há coisa que não se define,  nem se suspende no tempo em Coimbra, é o sentimento. Só se acumula, cada vez mais pesado, nostálgico.  É amor-ódio personificado. Para nos lembrar que a saudade que cravamos no peito desta cidade também é  “uma doença quando nela julgamos ver a nossa cura”. 

Coimbra-b não é um trabalho romântico. É a verdade que nos persegue e persiste, a de que a vivemos em  dois tempos, e apenas quando afastados entendemos que carregávamos a ideia volátil de que voltaríamos,  sem nunca nos fixar. Afinal nenhum lugar terá jamais o potencial de nos fazer apaixonar facilmente sem  sofrimento. O que não nos atinge, não toca. O que não nos toca, não fica. É assim Coimbra, mas podia ser  qualquer outro local. A mensagem é universal. A experiência essa, como de qualquer outro alguém, única.  Esta é a do Bruno. Quem se aproxima das imagens, talvez a descubra. Mas, por certo, só quem viveu Coimbra a reconhecerá.  

Mafalda Ruão  
Porto, Abril 2021 

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